Há quem anseie, todos os anos, pela mudança para o horário de verão, quando se “adianta” os relógios uma hora, porque preferem que haja luz solar até mais tarde. Por outro lado, há quem prefira quando – tal como vai acontecer este fim de semana – mudamos para o horário de inverno, que permite que haja luz mais cedo.
Na madrugada deste domingo, dia 27 de outubro, os relógios vão “atrasar” uma hora. Em Portugal Continental e na Região Autónoma da Madeira, quando forem 02h00, os relógios devem ser ajustados para a 01h00. Nos Açores, a mudança ocorre à 01h00, ajustando-se os ponteiros para as 00h00.
Mas qual destes horários é melhor para a saúde? O horário de inverno tem mais benefícios?
Horário de verão e horário de inverno: qual o melhor para a saúde?
Em esclarecimentos ao Viral, Vânia Caldeira, pneumologista e especialista da Comissão de Trabalho de Patologia Respiratória do Sono da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPN), adianta que “não há muitas dúvidas de que o horário mais benéfico é o de inverno”.
Aliás, salienta a especialista, “está muito bem documentado, sobretudo do ponto de vista cardiovascular e de acidentes de viação, que o horário de inverno (também chamado horário padrão) é mais protetor da saúde”.
No mesmo sentido, várias associações de sono e organizações internacionais de saúde defendem que se devia adotar apenas o horário de inverno (ver também aqui e aqui).
Por exemplo, num texto publicado no seu site e num parecer de 2021, a Associação Portuguesa do Sono (APS) defende a “abolição da mudança horária e permanência na hora de inverno”.
De acordo com a associação, “a permanência no horário padrão tem efeitos benéficos para a saúde física e psicológica, com eventual repercussão sócio-económica positiva”.
Isto porque, defende Vânia Caldeira, o horário de inverno permite “uma melhor relação entre os nossos ritmos”.
Existe “o ritmo endógeno, que é o ritmo circadiano” (ciclo de 24 horas que faz parte do relógio biológico interno do corpo), e “o ritmo exógeno” (influenciado por fatores externos).
Segundo a médica, o que contribui, muitas vezes, para os distúrbios do sono é o desalinhamento entre estes ritmos.
Daí surgirem muitos problemas de sono associados “ao trabalho noturno” e aos “trabalhos por turnos”, exemplifica.
Idealmente, “para a pessoa estar alinhada, tem de começar o seu dia quando há luz solar durante a manhã”.
No mesmo sentido, à noite, é importante que “o dia acabe sem luz, para fomentar e favorecer o sono”, já que “o fim da luz” promove a “produção de melatonina”, que, consequentemente, “induz o sono”, esclarece.
Sempre que “há exposição à luz, seja do sol, seja artificial, até mais tarde, a produção de melatonina é inibida”, por isso, “vamos ter sono mais tarde”.
Sobretudo por este motivo, “a mudança para o horário de inverno é mais benéfica para nós”, sustenta a especialista.
Na noite desta mudança “dormimos mais uma hora”, “vamos ter menos exposição à luz tardia” e mais “à luz pela manhã”, “a melatonina vai começar a ser produzida mais cedo e de forma mais biológica” e “vamos começar a ter sono na hora que é suposto”, acrescenta.
Além destes benefícios para o relógio biológico, segundo o texto da APS, o horário de inverno promove uma “melhoria do desempenho profissional e escolar” e “melhoria da saúde mental”.
Também reduz “o risco da doença física (cancro, diabetes, obesidade, doenças cardiovasculares, doenças neurodegenerativas, problemas da imunidade)”, “de acidentes” e tem uma “provável repercussão positiva para a economia”, lê-se.
Por outro lado, refere a Academia Americana de Medicina do Sono, numa declaração de posição, “o horário de verão está menos alinhado com a biologia circadiana humana”.
Apesar de muitas pessoas preferirem o horário de verão, mesmo por uma questão social, a verdade é que o impacto do “atraso do ciclo natural de luz/escuridão na atividade humana” deste horário “pode originar um desalinhamento circadiano, que tem sido associado, em alguns estudos, a um maior risco de doença cardiovascular, síndrome metabólica e outros riscos para a saúde”.
O horário de verão pode ainda ter um impacto significativo em pessoas com cronotipos mais tardios, ou seja, que só têm sono mais tarde.
Os adolescentes, exemplifica Vânia Caldeira, “têm uma tendência a ter sono mais tarde e isso é agravado pelo horário de verão”, que promove “exposição solar tardia”.
Além disso, também dificulta o processo de acordar, porque “não têm o estímulo da luz” pela manhã, visto que “está escuro”, salienta.
A mudança para o horário de verão “faz pouco sentido”
Vânia Caldeira explica que a mudança da hora “foi criada há muito tempo”, numa altura em que se defendia que o horário de verão “permite poupar energia”.
Além disso, acreditava-se que “o aumento de luz ao final do dia” promovia “mais tempo para lazer, para atividade física e, com isto, mais crescimento económico”.
Também se defendia que havia “uma maior segurança quando havia luz até mais tarde nas ruas”.
Contudo, defende a médica, “nos tempos que correm, e a evidência é categórica, a prioridade tem de ser, de facto, a saúde”.
Aliás, a Academia Americana de Medicina do Sono defende, na declaração de posição sobre o tema, que as “mudanças de hora sazonais devem ser abolidas em favor de uma hora normal fixa, nacional e durante todo o ano”.
Na transição do horário de inverno para o horário de verão “há mais acidentes de viação e há várias pessoas que têm eventos cardiovasculares agudos”, assinala Vânia Caldeira.
Por norma, “esta adaptação faz com que a pessoa durma menos horas e tenha um sono com menos qualidade, fique privada de sono, esteja mais cansada” e isso contribui para “mais acidentes, mais sonolência e mais risco cardiovascular”, conclui.