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Cultura

Amália revelada: o apoio à resistência antifascista e a ligação aos comunistas

Investigação inédita sobre as ajudas da fadista à oposição anti-regime e aos presos políticos é capa da nova edição da VISÃO Biografia, que chega esta sexta às bancas

A 6 de outubro de 1999, dia da morte de Amália Rodrigues, o escritor José Saramago levantou o véu sobre as frequentes ajudas da “rainha do fado” aos presos políticos e as suas relações clandestinas com comunistas e outros resistentes à ditadura. Contactos que foram mantidos durante décadas e ultrapassaram o universo artístico. Bastante polémica à época, a revelação do Prémio Nobel era, no entanto, apenas uma das muitas pontas soltas da história secreta sobre a cantora símbolo do País.

Afinal, qual foi a verdadeira extensão da colaboração de Amália com a oposição à ditadura? Quanto tempo durou e quem foram os principais “correios” e beneficiários dos seus apoios? Como tudo foi mantido em segredo, mesmo em democracia? Como lidou ela com o regime e com as pressões da PIDE? Este conjunto de perguntas foi o ponto de partida da investigação inédita, vencedora de uma bolsa de investigação jornalística da Fundação Calouste Gulbenkian, à qual o grande repórter Miguel Carvalho se dedicou durante um ano com o apoio da VISÃO. Resultante de inúmeras pesquisas e de mais de uma centena de contactos e entrevistas com protagonistas e testemunhas de uma época, o trabalho, dividido em quatro capítulos ao longo de quase 60 páginas, constitui o tema de capa do terceiro número da VISÃO Biografia que esta sexta, 18, aparecerá nas bancas, antecipando o centenário do nascimento da fadista que se assinala no próximo ano.

Instrumentalizada e promovida pela ditadura, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial e não obstante a autonomia, a solidez e a excelência do seu percurso e repertório, Amália chegaria à revolução de 25 de Abril de 1974 carregando o fardo de “cantora do regime”. Um rótulo a rever. Até porque, ainda recentemente – segundo um artigo do jornal Contacto – a sugestão de atribuir o nome de Amália a uma rua no Luxemburgo foi vetada por parte de elementos da comunidade portuguesa que a consideram um símbolo da ditadura e dos famosos três F do regime: fado, futebol e Fátima.

Amália, lado B

Na verdade, as primeiras colaborações clandestinas da cantora com a resistência ao Estado Novo terão surgido em finais da década de 1940 e isso incluiu apoios financeiros regulares e consideráveis às famílias dos presos políticos, que se prolongaram até à revolução. Embora a sua extensão e a sua profundidade tenham permanecido até hoje por investigar, os laços, solidariedades e proximidades de Amália com figuras e setores ligados à oposição democrática durante a ditadura, incluindo o próprio PCP, foram inequívocos, ainda que clandestinos e, na maioria dos casos, sem obedecer a objetivos políticos por parte dela. Do mesmo modo, este trabalho da VISÃO Biografia aprofunda episódios que iluminam a faceta desconhecida de Amália na sua relação com o Estado Novo e o próprio Salazar, sem esquecer os diversos jogos do gato e do rato da fadista com a polícia política, em Portugal e no estrangeiro.

No editorial que acompanha esta edição especial, a diretora da VISÃO, Mafalda Anjos, releva a “natureza humana complexa” de Amália, destacando “a astúcia com que se movimentou entre dois mundos, a inteligência com que habilmente se fingia alheada dos problemas dos dois lados e a compaixão e generosidade pura com que partilhava muito do que tinha”. Na verdade, “há, de facto, uma Amália ainda maior do que a que conhecíamos até hoje”. A revista que chega esta sexta aos leitores é, pois, um relato inédito da verdadeira vida secreta de Amália. “Com os mais preciosos detalhes de como a sua ligação às esquerdas intelectuais foi muito para lá da cultura. Amália fintou a PIDE, financiou elementos do Partido Comunista e ajudou presos políticos que se opunham a Salazar, ao mesmo tempo que se movia nas altas-rodas do regime e era mostrada ao mundo como símbolo máximo de Portugal e do Estado Novo. Para lá da diva da canção, havia afinal outra Amália: a do ser humano compassivo, com uma consciência social e política, algo que nunca até agora lhe tinha sido devidamente reconhecido. E que ela própria, em parte, negava”, assinala Mafalda Anjos.

Parafraseando o musicólogo Rui Vieira Nery, Amália é ainda vítima de vermos e amarmos nela coisas diferentes, às vezes redutoras. Realidade, imagem e devoção confundem-se. Estereótipos e preconceitos misturam-se. Santificada, mitificada ou execrada, a sua figura foi moldada a todas as narrativas e “religiões”, consoante os casos, os interesses e as épocas. Ela, porém, pertence a uma categoria à parte, não moldável. Artística e humanamente falando. “Fontes e geografias contrastadas permitiram-me aproximar a lupa sobre a mulher que cantou o seu povo pelo mundo, consciente da independência do seu coração, do seu livre pensamento e dos gestos clandestinos que, em vez de a divinizarem, antes revelam as costuras da sua imperfeição e os traços da sua profunda humanidade”, explica Miguel Carvalho neste número da VISÃO Biografia. E se dúvidas havia sobre a urgência deste projeto, a morte de dois dos preciosos entrevistados deste número já no decurso da investigação (Ruben de Carvalho e Armando Caldas) comprova a responsabilidade que cabe também ao jornalismo na divulgação de relatos esquecidos ou ignorados da nossa História, contribuindo assim para a preservação da memória coletiva.

A poucos meses das comemorações do centenário de Amália Rodrigues, cujo programa oficial deverá ser divulgado em breve, a revelação desta faceta humana da nossa artista maior talvez permita resgatá-la, de uma vez por todas, dos olhares preconceituosos, santificados ou condicionados por deturpações ideológicas.

Uma edição de luxo

A infância em Alcântara, a adoração familiar por Salazar e a associação de Amália Rodrigues aos comunistas do fado por parte da polícia política, a relação secreta com a resistência à ditadura, as ameaças do regime e as denúncias contra a alegada “princesa da PIDE”, os bastidores da prisão de Alain Oulman, as pontes com a célula clandestina do PCP para os espetáculos e a revolução antes da revolução.

São estes os temas principais da investigação inédita que faz o tema de capa da VISÃO Biografia. Mas as 132 páginas deste número têm muito mais para contar.

Além de perfis de David Mourão-Ferreira, Alain Oulman, Rui Valentim de Carvalho e Celeste Rodrigues, esta edição especial leva-nos aos lugares onde Amália ainda “mora”, traça o retrato do seu “estilo de diva”, viaja até às origens do fado, entrevista o “viola” Joel Pina (que também comemora o seu centenário em 2020), sugere uma lista de discos e livros obrigatórios para conhecer a história e a obra da cantora, resgata frases menos conhecidas de Amália, mostra a notável galeria de herdeiros e herdeiras da fadista e conta ainda com artigos exclusivos da autoria de David Ferreira, Frederico Santiago e Joaquim Vicente Rodrigues, presidente da Fundação Amália Rodrigue

 

FONTE .sapo.pt

FOTO Bob Lampard

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SAPO.PT
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