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Abusos na Igreja? “Não é no Inferno que se busca a Salvação”

“O caso Spotlight, uma investigação realizada por um grupo de jornalistas do periódico The Boston Globe em 2002, destapou um dos maiores escândalos de abusos sexuais de menores que se conhece e abriu a porta, a nível mundial, a um tema que, qual segredo de polichinelo, ninguém minimamente informado ignorava, e que obrigou a Igreja Católica, a enfrentar uma intensa e dolorosa crise que ainda perdura.

Porém, estranhamente ou nem por isso, por cá, país por excelência de vícios privados e de públicas virtudes, o discurso dos nossos bispos, no seu lacónico cartesianismo dedutivo, refugiava-se sempre (e refugia) no mesmo silogismo: não havendo casos, ergo não há vítimas.

Agora, bastou a imprensa divulgar que a comissão nomeada pela hierarquia eclesiástica portuguesa para investigar os abusos de menores, recebeu uma lista com doze nomes de sacerdotes sobre os quais recaem ou recaíram suspeitas de abuso sexual para o assunto, que também é segredo de polichinelo, vir mais uma vez à tona.

Abusar de crianças, ou de menores, é perverso, e é-o, ainda mais, quando perpetrado por pessoas a quem entregamos os nossos filhos e em quem, pelo exercício do seu ministério sacerdotal, confiamos plenamente. A confiança constitui um fator-chave das relações de carácter espiritual, seja no alto clero propriamente dito, seja, afinal, em todos os que representam ou se encontram ao serviço a Igreja.

No contexto pastoral a imagem que, ainda perdura do sacerdote é a de alguém que vive «in persona Christi», alguém que, por essa magna e transcendental razão, possui atributos próprios de santidade, representa Deus na terra, celebra os sete sacramentos, que são os da iniciação cristã (Batismo, Confirmação e Eucaristia), os da cura (Reconciliação ou Sacramento da Penitência e Unção dos Enfermos) e os do serviço da comunhão (Ordem e Matrimónio). E aquilo que nos diz, aconselha ou ensina tem um valor superior, porque procede de Cristo. É, pois, a um representante da pessoa de Deus entre os Homens que confiamos os nossos filhos.

Na Carta ao Povo de Deus, de 20 de agosto de 2018, o Papa Francisco, reconhece o grave problema dos abusos sexuais e pede perdão com verdadeira dor de coração, pois, diz ele, «se um membro da Igreja sofre, todos sofrem com ele» (1 Cor 12,26) e, clama a todos os membros da Igreja a trabalharem para evitar que se repitam casos de abusos.

Sobreviver a um abuso sexual constitui uma experiência que muda para sempre a vida, o sentir e o sentimento das crianças ou dos jovens abusados que, quase sempre, são forçados a uma dolorosa existência moral em segredo, porque, nos tempos em que vivemos, as instituições como a Igreja ou o Estado não se encontram disponíveis, nem sequer preparadas, para entender e apoiar os que sofrem.

Na Carta Apostólica sob a forma de Motu Proprio do Papa Francisco intitulada «Vos estis lux mundi» (7 de maio de 2019), o Sumo Pontífice, vem face ao Código de Direito Canónico que esquece a vítima e o abuso sexual, procurar estabelecer novas normas processuais para combater o abuso sexual e garantir que os bispos e os religiosos em geral sejam responsabilizados pelos seus atos.

O Código de Direito Canónico, nos casos de abusos sexuais, centra-se exclusivamente no agressor e em salvaguardar a santidade dos sacramentos, esquecendo as vítimas

O Código de Direito Canónico, nos casos de abusos sexuais, centra-se exclusivamente no agressor e em salvaguardar a santidade dos sacramentos, esquecendo as vítimas e dando prioridade a ocultar os escândalos, face ao esclarecimento da verdade, ao reconhecimento dos crimes ou à reparação dos danos.

O novo normativo é um notório avanço face ao que estabelece o Código Canónico. Não só amplia o conceito de pessoa vulnerável como reconhece como abusos sexuais todos os delitos contra o 6.º Mandamento (sejam menores ou adultos, seja também pornografia), e toma medidas contra as condutas consideradas ações ou omissões dirigidas a interferir e a ocultar investigações contra um sacerdote ou um religioso quanto a crimes de abusos sexuais.

Este importante normativo vem, pela primeira vez, indicar a responsabilidade dos membros do clero que ocultam os crimes de abuso e protegem os abusadores. Mas, então, porque será que a hierarquia da Igreja continua a ocultar os crimes e a não identificar os seus autores?

A resposta podemos talvez encontrar nos relatórios da comissão nomeada pela Conferência Episcopal dos EUA para estudar os abusos sexuais de menores, a qual investigou, igualmente, a razão que levou os bispos a reagir de maneira tão estranha e pouco satisfatória perante tamanho e gravíssimo problema. A conclusão foi que grande parte dos prelados se fez desentendida quanto à natureza dos crimes, vendo os casos como algo de excecional, e anedótico. Os bispos preocuparam-se em diminuir o impacto dos escândalos, a fim de defenderem a instituição e de se protegerem a si próprios, pouco se preocupando com o sofrimento e as necessidades das vítimas. O receio de se verem envolvidos em processos judiciais, fez com que muitos deles adotassem comportamentos agressivos com a intenção de fugir ao pagamento das devidas indemnizações, o que afetaria significativamente a possibilidade de manterem, as inúmeras instituições católicas. Em Portugal o Anuário Católico identifica oitenta e oito o número de instituições.

Muitas resistências, muito corporativismo e uma falta de opção clara pelas vítimas e pelo esclarecimento da verdade. Uma Igreja que não escuta e, por conseguinte, não entende, só pensa em si mesma e em ocultar, evitar escândalos que a possa prejudicar gravemente.

Reparar um escândalo passa por reparar os danos causados às vítimas e deixar de continuar a proteger os agressores, muitas vezes oferecendo-lhes outros cargos, outras paróquias ou, nalguns casos, pondo-os mesmo a salvo noutro país, até que os ruídos abrandem ou caiam no esquecimento.

Assumir responsabilidades é desmascarar os agressores perversos, independentemente do cargo que ocupam na hierarquia eclesial, e reconhecer, sem ambiguidades, o que a Igreja, enquanto comunidade, não protegeu, não cuidou. E, assumir os custos dos danos sofridos e ainda presentes nas vitimas, escutá-las e perguntar-lhes o que necessitam. Comportar-se no processo canónico ou civil corretamente, sem dar passos que forcem as vítimas a acordos patéticos, que só servem para lhes agravar as feridas e manipulá-las moral e emocionalmente.

A Igreja Católica contemporânea, ferida pela mundanidade, pela cupidez e pelo vício, tem de perceber que não é no Inferno que se busca a Salvação.”

FONTE Adv Joaquim Dantas Rodrigues noticiasaominuto.com

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noticiasaominuto.com
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