O Facebook entrou em “queda livre”. É o início do fim para o império criado por Zuckerberg?
A empresa de Mark Zuckerberg mudou o nome para Meta Platforms em 2021 e decidiu arriscar (com muitas incertezas) milhares de milhões de dólares em projetos de realidade virtual e realidade aumentada, numa espécie de ‘fuga para a frente’. No entanto, só em três meses o Facebook perdeu 500 mil de utilizadores (o que é inédito) e, pior, de um dia para o outro as ações da empresa-mãe caíram 26% em Wall Street: uma perda de 251 mil milhões de dólares em valor de mercado. Eis algumas explicações sobre o que poderá estar a acontecer a este gigante do mundo digital.
“O relato da minha morte foi um exagero.” Foi assim que reagiu o escritor norte-americano Mark Twain quando, no século XIX, circularam notícias falsas em alguns jornais que davam conta do seu falecimento. Será que face às más notícias que vieram à tona este mês de fevereiro, e que colocam grandes incertezas sobre o futuro da Meta Platforms (o novo nome da Facebook), Mark Zuckerberg dirá o mesmo daqui a alguns meses ou anos?
O fundador e diretor executivo da empresa, dono não só da rede social digital mais famosa da atualidade como das plataformas Whatsapp, Instagram e Messenger, parece estar a viver dias difíceis, pelo menos a crer nos resultados, relativos ao último trimestre de 2021, que a Meta apresentou no passado dia 2 fevereiro. Basicamente, o documento, segundo as contas feitas pela imprensa norte-americana, revela que a plataforma Facebook perdeu meio milhão de utilizadores diários ativos no último semestre de 2021, em comparação com o período homólogo (2020).
De momento, a plataforma conta com pouco menos de 1,93 mil milhões de utilizadores diários ativos, daí que o número de utilizadores perdidos possa parecer, através de um olhar superficial, insignificante e sem motivos para grande inquietação. Todavia, a verdade é que o desaparecimento de 500 mil utilizadores em tão pouco tempo representa um preocupante ponto de inflexão para uma empresa que depende e vive de métricas, e que desde 2004 (ano em que foi criada) sempre esteve habituada a crescer de forma rápida e exponencial ao longo das plataformas que possui.
Em 18 anos de existência esta foi a primeira vez que a empresa registou perdas de utilizadores. Aliás, a expectativa da empresa e dos seus acionistas sempre recaiu num único sentido: uma constante e veloz expansão, jamais uma regressão, tanto mais porque, tal como indica o recente relatório da Meta, estava previsto que existissem 1,95 mil milhões de utilizadores diários ativos neste momento, em vez de 1,93 mil milhões.
Imediatamente a seguir à divulgação destes resultados, as ações da Meta entraram em queda livre, desvalorizando 26% no dia seguinte, a 3 fevereiro. Ou seja, em termos de valor de mercado a empresa perdeu uns impressionantes 251 mil milhões de dólares num só dia, o que significa mais achas para a fogueira em que a gigante liderada por Zuckerberg parece ter sido atirada. O sinal que esta onda de choque transmite é que a Meta saiu de uma fase de crescimento para entrar numa de estagnação, pelo menos por agora. Estagnação num mercado tão competitivo (já lá iremos) como aquele em que a Meta está envolvida pode ser uma sina de morte.
Pela primeira vez na sua história o Facebook perdeu utilizadores. Um sinal de estagnação numa indústria que vive e depende de crescimentos constantes, frenéticos e exponenciais.
Mike Isaac, jornalista do The New York Times que há mais de uma década, e a partir de Silicon Valley, segue e faz a cobertura noticiosa sobre a Meta (antes a Facebook), enumerou num artigo que escreveu para o jornal os seis motivos que o levam a concluir que a empresa de Zuckerberg encontra-se numa situação deveras delicada.
Segundo o mesmo, apesar de a empresa ter registado “ganhos modestos de novos utilizadores” através das outras aplicações de redes sociais que detém – Whatsapp, Instagram e Messenger –, a perda de 500 mil utilizadores por parte do Facebook é um indicador de que a Meta atingiu o limite (o seu pico) na capacidade para captar novos utilizadores, isto após 18 anos de história marcados por um crescimento imparável.
Outro dado a ter em conta: se juntarmos todas as plataformas da Meta, o crescimento de utilizadores que teve no último trimestre de 2021 foi o mais baixo dos últimos três anos – passou dos 2,81 mil milhões de utilizadores diários ativos (no último trimestre de 2020) para os 2,82 mil milhões um ano depois.
O que significa isto para os investidores e acionistas da empresa? Por um lado, a promessa de que o Whatsapp irá no futuro gerar receitas substanciais ainda é só isso: uma promessa. Entretanto, refere Mike Isaac, é quase certo que os investidores começarão, “em seguida, a escrutinar se as outras plataformas da Meta, como o Instagram, não estarão prestes a atingir o seu pico de crescimento de utilizadores”.
Os lucros proporcionados pelos utilizadores de iPhones era tão grande que a ‘rasteira’ pregada pela Apple ao Facebook, em nome da transparência, causou mossa (e das grandes) no seu modelo de negócio.
O segundo motivo para todas as preocupações chama-se Apple, frisa o jornalista. Em abril de 2021 a empresa com o símbolo da maça mordida lançou para os seus telemóveis iPhone um software de privacidade há muito aguardado, a App Tracking Transparency, capaz de dar aos utilizadores um controlo muito maior sobre a forma como os seus dados são partilhados ou rastreados por terceiros. “Essencialmente, deu aos donos de um iPhone a possibilidade de permitir, ou não, que aplicações como a do Facebook monitorizem as suas atividades online”. Estas novas opções quanto à privacidade “estão a ferir o negócio da Meta e deverão continuar a fazê-lo”.
E qual é o negócio da Meta, aquilo que lhe traz enormes lucros e a tornou apetecível a tantos investidores e acionistas? Explicando de forma rudimentar, os dados que recolhe dos seus utilizadores são a principal matéria-prima que faz mover a indústria em que está inserida, os quais, por exemplo, podem depois ser usados para direcionar publicidade e campanhas de marketing a um público (que também são os utilizadores) muito específico.
Ironia do destino, os utilizadores do iPhone constituem uma fatia de mercado “bem mais lucrativa para os anunciantes do Facebook do que, por exemplo, os utilizadores [de um telemóvel com o sistema operativo] da Android”, assinala o colunista do The New York Times. “As pessoas que usam iPhones para aceder à Internet tipicamente gastam mais dinheiro em produtos e aplicações [as apps] que lhes são oferecidos pelos anúncios“ que surgem nos seus ecrãs.