
“O Governo decidiu retirar os conteúdos sobre sexualidade e saúde reprodutiva das aulas de Cidadania. Quando questionado, o ministro da Educação disse que o tema era “muito complexo”. Aparentemente, complexo demais para ser tratado na escola, por professores especializados. Sabem o que também é complexo?
Complexo é engravidar aos 13 anos sem saber como. Complexo é um rapaz achar que insistir é um gesto romântico, que um não é um talvez, que o desejo do outro é sempre um dado adquirido. Complexo é seres abusada por alguém da tua família e não saberes que aquilo tem nome, que não é culpa tua, que há um depois possível.
Complexo é contrair uma doença sexualmente transmissível e não ter vocabulário para contá-lo a ninguém. Complexo é crescer a ver pornografia antes de saber o que é consentimento. Complexo é achar que os corpos existem para serem usados, que o prazer é unilateral, que o silêncio é uma forma de dizer sim. Complexo é quando a escola se cala e o mundo fala, e o que o mundo diz é brutal, apressado, distorcido.
Complexo é contrair o HPV e não ter ninguém a quem perguntar o que fazer. Complexo é seres chamada de puta aos 12 por teres mamas maiores que as das outras. Complexo é seres chamado de maricas aos 11 porque preferes ler em vez de jogar à bola. Complexo é teres a primeira relação sexual sem saber que podias ter dito que não.
Complexo é sentires algo estranho quando um adulto encosta a mão, e achares que o problema és tu. Complexo é achares que o amor magoa sempre. Complexo é achares que ceder é a forma de merecer afeto. Complexo é sentires desejo e achares que isso é sujo. Complexo é achares que o teu corpo é um erro que vais ter de carregar até à idade adulta. Complexo é formar uma geração que sabe investir em criptomoedas mas não sabe identificar um abuso.
O que é mesmo demasiado complexo é explicar, um dia, a uma adolescente violentada, que o Estado achou melhor poupar-lhe a informação. O que é verdadeiramente complexo é o resultado do que não se ensinou. Por outro lado, sabem o que é muito simples de entender? É que se não for a escola a ensinar, será a Internet. Se não for o professor, será o algoritmo. Se não for a aula de cidadania, será o PornHub.
E é isto que o Governo escolhe: substituir a linguagem pela imagem, a conversa pela simulação, a construção lenta pela violência fácil. Prefere que aprendam por tentativa, por erro, por trauma. Ficam, então, as crianças entregues à pedagogia do TikTok e à pornografia como primeiro manual. Ao sexo como mercado, como espetáculo e performance. Porque não é verdade que os jovens deixarão de aprender. Aprenderão. Mas aprenderão sozinhos com o ecrã como professor.
Ensinar sexualidade não é ensinar sexo. É ensinar fronteiras. É ensinar a reconhecer uma violência, a nomear um toque que não pediu, a saber dizer não, ou sim, com firmeza.
Atribuir à complexidade o direito de silenciar é a forma mais preguiçosa e mais cobarde de governar. “Os pais que ensinem.” Mas que pais? Os que não aprenderam também? Os que foram educados a medo? O silêncio como herança? A ignorância como método?
O Governo recua com ar de quem protege, mas o que faz é expor. Diz que quer evitar ideologias, mas carrega uma. Quer poupar a juventude ao incómodo, mas entrega-a ao abismo. Retira os temas da sexualidade com dedos limpos e consciência cínica. Apaga, omite, esteriliza.
E ao fazê-lo, mostra o que verdadeiramente é: um Governo pornográfico. E é pornográfico porque encena uma moral enquanto executa uma perversão. A pornografia, ao contrário do que julga, não está só no corpo exposto, mas no corpo silenciado. Não está na nudez, mas na simulação.
A pornografia do Governo é a que encontra prazer na ignorância. A que prefere a fantasia da pureza à realidade da complexidade. Um cidadão sem corpo não é um cidadão. Uma cidadania que não chega ao corpo não é cidadania nenhuma. Como se o mundo não nos entrasse pela pele dentro antes de o voto chegar.
Uma escola sem educação para a sexualidade não é neutra: é cúmplice. É cúmplice do silêncio, da vergonha e da violência. Ensinar o corpo não é corromper: é proteger. Ensinar o género não é doutrinar: é reconhecer. Ensinar o desejo não é incitar: é escutar.
Vence esta vontade bafienta, este desejo viscoso de manter as coisas como estavam: com as meninas caladas a aprender a encolher-se, os rapazes embrutecidos a aprender a dominar, os corpos confusos a aprender a disfarçar, e uma escola inteira a educar para o silêncio. Porque o que estão a ensinar agora, com ar de quem não está a ensinar nada, é precisamente isso: o silêncio. Um silêncio fértil para o abuso e dócil para a violência.
Digam o que quiserem, mas não me digam que isto não é ideológico. Um silêncio espesso, como os lençóis guardados durante anos em casas fechadas, impregnados de bolor, de culpa antiga, de mofo ideológico. Um silêncio institucional, pedagógico. Um silêncio curricular, legislado com ar de equilíbrio.
E o silêncio, quando ensinado, também educa. E educa bem. Educa para a submissão, para a passividade, para a aceitação sem pergunta. O silêncio, como se sabe, é o melhor aliado da violência.”
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