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Cultura

Joker rapta o Leão de Ouro em Veneza

Filme de Todd Phillips, protagonizado por Joaquin Phoenix, é o prémio máximo da 76.ª edição do festival, e criou um acontecimento. J’Accuse, de Roman Polanski, recebeu o Grande Prémio do Júri.

 Alberto Barbera, o director da Mostra de Veneza, estará feliz: o filme que andava a promover como o que mais entusiasmava da sua selecção, Joker, de Todd Phillips, entrada de uma major americana na competição de Veneza, recebeu este sábado o Leão de Ouro da 76.ª edição do festival. É que a vitória desse filme, decisão de um júri presidido pela cineasta argentina Lucrecia Martel, e integrando ainda Paolo Virzì, Tsukamoto Shinya, Mary Harron (realizadores), Piers Handling (historiador e crítico), Rodrigo Prieto (director de fotografia) e Stacy Martin (actriz), sanciona a narrativa que Barbera vem impondo no Lido: abrir o festival aos filmes que não são “filmes de festival” – Barbera entende por essa categoria, chamemos-lhe assim, uma rua sem saída – sob pena de se perder parte da excitação do cinema contemporâneo.

Todd Phillips, o realizador, e o intérprete do seu filme, Joaquin Phoenix, foram de facto responsáveis por uma parte da excitação no Lido com esta espécie de “rapto” de uma personagem dos comics, o vilão Joker, levando-o para os terrenos dos solitários anti(-heróis) do cinema americano dos anos 70. Que foi adulto, cismado, devastado, em filmes que o supervilão e inimigo de Batman devia ver como espectador, ou não estivesse sempre a disparar imaginariamente à cabeça como o Travis Bickle de Taxi Driver. Pense-se em Travis, o insone solitário de Manhattan, pense-se no Rupert Pumpkin, o desajustado aspirante a comediante de O Rei da Comédia, e eis a “dieta” existencial da figura de Arthur Fleck a caminho de se tornar Joker. É por isso que encontramos, obviamente, Robert de Niro no filme. A certa altura, a personagem de Joaquin Phoenix diz-lhe: “Acho que toda a vida te conheci”. Phoenix foi o cúmplice de que Todd Phillips precisava para este rapto cometido nas barbas dos comics. A sua dança, a sua loucura, a sua fuga são mais assistidas pelo filme do que controladas por ele. Mas também por isso é um filme que cria uma zona de inesperado, como se estivesse, até à última, a descobrir como continuar. E sem medo disso.

Quem estará feliz, também, é o júri presidido por Lucrecia Martel. Porque, mesmo não havendo razões para se duvidar que os jurados gostaram genuinamente de Joker, o filme permitiu um prémio que causou reacções efusivas, que fez acontecimento (é um herói de comics a levar o prémio num dos mais importantes festivais do mundo), o que foi oportuno coelho da cartola no culminar de um festival em que o “caso Polanski” secou tudo, todos os assuntos.

Recorde-se: no começo do festival, a presidente do júri verbalizou o seu incómodo com a presença de um acusado de violação no concurso (embora concedesse que Roman Polanski, era esse o homem, tinha o direito de aqui estar) e que lhe era impossível separar o homem da obra. Sendo J’Accuse, o filme de Polanski sobre o “caso Dreyfus” que dividiu a França na passagem do século XIX para o século XX, a grande obra do festival, um filme majestoso sobre o fim de um mundo, estava tudo suspenso para apreciar a margem de manobra que o júri iria ter. E seguramente cair-lhe em cima se….

Bem, sabe-se agora, por declarações dos jurados em conferência de imprensa, que o Leão de Ouro não foi por unanimidade. Mas Martel diz que em democracia não é preciso a unanimidade, os filmes existem para as pessoas falarem e discutirem… E mais ainda, acrescentou: ninguém imagine que se faz justiça a um filme se se separa o homem da obra, e é por isso que J’Accuse interessou aos jurados, pela visão do mundo do homem Polanski. Resultado: um importante prémio a J’Accuse, o Grande Prémio do Júri, aplausos imensos da imprensa que seguia a cerimónia pelo circuito interno de televisão – o prémio foi recebido por Emmanuelle Seigner, esposa de Polanski e actriz no filme.

Ou seja, um júri que parecia ter ficado sem capacidade de acção mostrou-se criativo na divisão do palmarés. Impossibilitado de premiar a interpretação de Joaquin Phoenix, porque os regulamentos não permitem que o filme que leva o Leão de Ouro possa acumular, escolheu o italiano Luca Marinelli, por Martin Eden, de Pietro Marcello.

Marinelli e Ariane Ascaride (melhor actriz por Gloria Mundi, de Robert Guédiguian) foram os mais emocionados e políticos discursos da noite, dedicando os prémios aos que imigram e aos que morrem no Mediterrâneo. Ascaride disse-se filha de imigrantes italianos em Marselha, é essa a sua riqueza, é essa a riqueza que o mundo não pode perder.

O prémio de argumento à animação N. 7, Cherry Lane permitiu uma boutade a Yonfan, o realizador: toda a gente critica os seus filmes por não terem drama, disse, e ei-lo a receber um prémio de argumento. Que ilumina a singularidade da obra: uma animação por um realizador que não se interessa pela animação e que utilizou a técnica porque ela seria a mais indicada para a embriaguez, a sensualidade (e o kitsch) desta homenagem a Hong Kong e aos ventos de liberdade.

E porque falamos de liberdade, falamos na solidão, na iconoclastia, na irrisão, no desespero de Franco Maresco, cineasta de Palermo. O Prémio Especial do Júri foi para o filme mais especial, mais marginal do concurso: La Mafia non è piu quella di uma volta, herdeiro de uma tradição de interpelação visceral da realidade que foi apanágio do cinema italiano, da comédia de Monicelli e do cinema político de Francesco Rosi à iconoclastia dos primeiros Moretti. Esse tom sobrevive aqui em espasmos desesperados e grotescos. E eis como os italianos ficaram afinal a adorar Lucrecia Martel.

Lista dos prémios:

  • Leão de Ouro – Joker, de Todd Phillips
  • Leão de Prata, Grande Prémio do Júri – J’Accuse, de Roman Polanski
  • Leão de Prata, Melhor Realizador – Roy Andersson, por About Endlessness
  • Taça Volpi para a Melhor Actriz – Ariane Ascaride, por Gloria Mundi, de Robert Guédiguian
  • Taça Volpi para o Melhor Actor – Luca Marinelli, por Martin Eden, de Pietro Marcello
  • Melhor Argumento – Yonfan, por N. 7, Cherry Lane
  • Prémio Especial do Júri – La mafia non è più quella di una volta, de Franco Maresco
  • Prémio Marcello Mastroianni para o Melhor Jovem Actor ou Actriz – Toby Wallace, por Babyteeth, de Shannon Murphy

Foram ainda atribuídos prémios às carreiras de Julie Andrews e Pedro Almodóvar; na secção Venice Classics, Babenco, Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou foi considerado o melhor documentário sobre cinema, e Extase (1933), de Gustav Machatý, o melhor restauro. O prémio FIPRESCI, da associação internacional de críticos de cinema, distinguiu J’Accuse, de Roman Polanski. O prémio Leão do Futuro, para uma primeira obra (júri presidido por Emir Kusturica), foi atribuído a You will die at 20, do sudanês Amjad Abu Alala.

FONTE PUBLICO.PT

FOTO PUBLICO.PT

Fonte
publico.pt
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