O cientista britânico Stephen Hawking (1942-2018) – padecente desde os 21 anos de idade de esclerose lateral amiotrófica –, ao tomar conhecimento em 2016 do livro intitulado A Quarta Revolução Industrial, de Klaus Schwab, o fundador do Fórum Económico Mundial na cidade suíça de Davos, referiu que a inteligência artificial poderia eventualmente substituir os seres humanos, mas esperava que eles não fossem tão estúpidos ao ponto de tal coisa permitir.
Hoje, em 2024, o ChatGPT, o Bing Chat e afins deliciam a maioria dos seus utilizadores ao procurar ansiosamente que as tarefas mais rotineiras de pensar sejam desempenhadas por aquelas ferramentas poderosas e complexas. Esquecemos, porém, que para havermos a elas chegado andámos anos e anos a espalhar as nossas pesquisas, preferências, conversas, enfim, dados privados, por aí e sabe-se lá com quem, perante a passividade dos governos. Os quais nunca se preocuparam que as grandes empresas de tecnologia ultrapassassem, descontroladamente, os limites éticos razoáveis da privacidade.
Se, por um lado, no setor privado, o atendimento ao cliente através de assistentes virtuais tem vindo, paulatinamente, a substituir a inteligência humana pela artificial, por outro lado, no setor público, esta ainda não chegou. E que falta ela faz na justiça…
A inteligência artificial apoiaria juízes e advogados, através de assistentes virtuais, auxiliando-os na redação de despachos, de respostas a requerimentos, de notificações e de citações, localizando jurisprudência e doutrina de maneira rápida e precisa, e elaborando resumos. Redigiria sentenças que o juiz apenas completaria com os dados específicos do caso. Verdade se diga que 70% das resoluções das sentenças já são feitas antecipadamente com essas ferramentas de escrita de texto, as quais, como é óbvio, funcionam muito mais depressa que os antigos modelos e formulários que ainda são usados, e que consistem no mesmo: copiar e colar.
A IA auxiliaria sobremaneira na análise de provas, mormente na investigação de dados financeiros, detetando fraudes e irregularidades contabilísticas, identificando detalhes potencialmente relevantes, avaliando a credibilidade das testemunhas, fornecendo informações jurídicas atuais e precisas.
Por fim, forneceria inegáveis préstimos em matéria de tradução automática, abreviando o excessivo tempo gasto com versões e retroversões de documentos, ao mesmo tempo que ajudaria a superar barreiras linguísticas, facilitando o acesso à justiça para pessoas que não falam a língua portuguesa, desde o primeiro interrogatório judicial e ao longo de todas as sessões.
Nos julgamentos, as decisões dos juízes passariam então a ser menos intuitivas e mais científicas, baseadas em dados concretos e não em meros preconceitos, menos sujeitas ao péssimo poder da livre apreciação da prova que em nada ajuda na descoberta da verdade material, numa resolução justa e correta dos litígios, avaliando o risco de reincidência dos arguidos e auxiliando nas decisões sobre liberdade condicional.
O paradigma da justiça evoluiu ao longo dos séculos e foi sempre influenciado pela filosofia, pela sociologia, pela antropologia e pelos contextos culturais. Estamos no tempo da promoção dos direitos humanos e da igualdade de género, num tempo onde não cabem mais a discriminação e o preconceito. Está na hora de mudar a forma de se fazer justiça.
A resposta para todos os cidadãos que desesperam com as demoras e a lentidão nos seus processos é apenas uma: dote-se a justiça de inteligência artificial porque a atual, lenta e imprecisa, já faz de nós estúpidos há demasiado tempo.
Autor J. DANTAS RODRIGUES Adv.